segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Ela estava sentada no canto do pátio observando os outros, escutando seus assuntos triviais, o caderno nas mãos, apertando a caneta com fúria. Seus olhos fulminantes. A fúria viera não se sabe de onde, nem o porquê. Simplesmente a deixara em transe. E escrevia.

"Ressaca.

Acordar na ressaca. Ressaca amanhecida, incômoda, vazia. Ontem bebi todos os goles possíveis de uma profunda depressão. Uma tristeza demasiada. De mente cheia de ódio. De frustração.
Meu silêncio é um peso que carrego nas costas. Tenho-o também nos pés, na cabeça, no peito, na alma. Tenho-o em minha volta. Tenho aos montes.
Estou cheia de tratar a todos com meu melhor humor. Estou cheia. Por que não disse logo a verdade do que sinto? De que odeio a todos, todos os gestos, todas as conversas, todos os abraços, as rejeições, as brincadeiras de mau gosto, as idiotices, toda a ignorância. A minha vontade é de dar a todos as costas e esquecê-los para sempre.
E que não me venham com consolos falsos, carinhos de mentira, compaixão fria. Estou cansada da incostância dos atos dos outros. Um dia me tratam com carinho. No outro nem tratam...Que morram.
Anteontem cometí erros. Ontem me culpei pelos erros, chorei por tudo. Hoje não existirei. Hoje vou dormir para o mundo. Dormir para a vida. Amanhã talvez eu supere. Talvez eu esqueça essa falsidade, essa bobagem toda que vem das pessoas com quem convivo, que sou obrigada a conviver. Amanhã talvez eu acorde desse pesadelo e veja o mundo com outros olhos, menos críticos, quem sabe.
E uma ressaca é só uma ressaca."


Fechara o caderno. Fechara os olhos. Esperava abri-lo somente quando sua mente se acalmasse. Já sabia que a fúria não era bem vinda na sua vida. Ela não sabia, mas dera o primeiro passo para a reconstrução de si mesma. Reconhecia que não tinha motivos para se deprimir, e o mais importante, que isso não a levaria a lugar algum.

Reconhecer a si próprio é essencial. Saber até onde se pode chegar, ou melhor, não estabelecer limites para si, é indispensável para a própria recuperação.
Ao invés de não querer ver, é preciso enxergar além de seus próprios sentimentos, de sua própria fúria, pois esta só faz fechar os olhos. É necessário abri-los sem medo, sem remorso, sem criticar o que pode ser visto.
Abrir os olhos e realmente ver o que existe, isso nos fará felizes um dia. Não adianta somente criticar o mundo que está em torno de nós, é preciso saber conviver.

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